Por: Camila Lira
Há quem tenha visto o mulato ligeiro, skatista pé na lixa, olhos atentos desafiando as leis da física, o prazer com base na adrenalina, o vento que toca a face em busca de liberdade, sobre uma pequena prancha de madeira com quatro rodinhas. Evoluiu, e o mundo o reconheceu, patrocínio de grandes marcas, “amigos”, mulheres, baladas, drogas, hip hop e rock’n’roll. E em apenas um pulo, mergulhou em outro mundo...
Sábado cinza e frio, rumo ao extremo Leste de São Paulo, Itaim Paulista. Ao chegar à rua do condomínio logo identificamos sua residência, muros grafitados. Na parede principal, uma tentativa de caricatura de nosso entrevistado, conforme ele: “O brother que fez o graffi, estava bem louco no dia e riscou o Tim Maia” (risos).
Thiago Rodrigues Lima Dias, 26 anos, vulgo Cocó, quando pergunto sobre o apelido, solta uma gargalhada e diz que é devido ao formato de sua cabeça, semelhante a uma crista de galo.
Ao entrar em seu quarto, logo se vê: um skate próximo à porta, shapes em cima do guarda-roupa (tábua de madeira que serve como base do skate) e banner’s de campeonatos em que houve sua participação. A recepção foi com um largo sorriso, deitado em sua cama onde passa maior parte do tempo, assistindo TV e na internet.
Deitado em uma cama? Sim! Cocó é um ex-esportista do skate que logo após um acidente encontra-se tetraplégico devido a uma fratura na coluna, sequela de um socorro inadequado.
Sua família é composta apenas por ele e a mãe, a cujos braços retorna, como um rebento que ela acabara de parir, necessitado de muitos cuidados e atenção.
Obstáculos continuam a ser superados, o manuseio do mouse é tarefa da mão direita que não possui muitos movimentos, boca e o teclado virtual. Quem se comunica com ele através do espaço virtual, não imagina o esforço que faz para permanecer em contato com o mundo.
Logo um momento nostálgico invade o ambiente, narrado através de histórias antigas vividas com amigos, alguns ainda estão presentes em sua vida hoje, outros não.
Após várias histórias, Cocó conta como saiu do anonimato e ganhou o reconhecimento como esportista. Domingo, Agosto de 1998 estava em um campeonato e jamais poderia imaginar que seria o dia em que o reconhecimento chegaria. Abordado por um cara de bermuda e chinelos, desacreditou, mas aquele era o dono da Tracker (fabricante de produtos para skate). Deu crédito àquela situação apenas na segunda-feira quando ligou para o número que estava no cartão que havia recebido, e confirmaram que a pessoa que ele procurava era o dono da marca.
E foi aí que tudo começou... Meio-dia, ônibus Pq. Dom Pedro, o seu destino naquele dia deveria ser apenas um, rua Prof. Aprígio Gonzaga, 238, São Paulo, demorou para achar o local, chegou por volta de 14 horas e já eram 17h50 e nada, subia e descia a rua, quando parou em uma padaria para tomar água e perguntou a um funcionário se sabia onde era a Tracker. E com uma expressão sarcástica o italiano de bigode respondeu: “Aí em frente!”.
Tinha em mente que o local seria uma loja, mas se deparou com uma casa, o que seria a fábrica da Esportes Trucks Tracker. Ao chegar foi bem recebido e se comoveu quando viu em suas mãos o resultado do que escolhera para sua vida: equipamentos que antes mal tinha dinheiro para comprar, agora era de onde provinha o seu sustento.
Tudo era fácil, recebia os equipamentos e roupas e vendia. Amigos, mulheres, drogas e reconhecimento chegaram, como a ladeira perfeita para um praticante de downhill.
O surto inconsequente.A adrenalina que corria em suas veias o levou ao pico mais alto, rodas deslizando no asfalto, atrito perfeito até o fim, o último dia em que pôde sentir o vento que ensurdece os ouvidos e toca seu rosto, o coração acelerado em cima de um skate, o asfalto cinza decorado com faixas sinalizadoras, que nos deixam em estado de transe, uma a uma, seguindo seu ritmo perfeito, ficando para trás como o tempo.
Abril de 2001, a direção era a festa que ocorria numa chácara em Guaraicica, Guarulhos. No primeiro dia descansou e no segundo, ao chegar da brisa escura da noite, após muita loucura, em uma brincadeira pulou na piscina. Um pulo para outro mundo, toda sua vida em trinta segundos. Apenas a parede do outro lado veio aparará-lo, bateu a cabeça e fraturou a coluna. De imediato o colocaram em um automóvel e levaram-no ao hospital.